Corpo Fechado

Carlos Motta

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A EGEAC/Galerias Municipais, na Galeria Avenida da Índia, tem o prazer de apresentar Carlos Motta: Corpo Fechado, uma exposição multidisciplinar de Carlos Motta, artista colombiano, residente em Nova Iorque, com curadoria de Pedro Faro e Sara Antónia Matos. Preparada ao longo de quase dois anos, esta exposição implicou Carlos Motta numa extensa investigação por diferentes documentos, fontes, arquivos e instituições portuguesas, incluindo processos da inquisição, visitas a coleções documentais de museus, instituições culturais, etc., procurado, como muitos outros trabalhos do artista, criar narrativas críticas alternativas à História/historiografia oficial. Ao focalizar-se sobre comunidades e identidades com pouca visibilidade, a obra de Carlos Motta estabelece relações produtivas com histórias de cultura queer e de ativismo, e permite a constituição de um produtivo entendimento sobre a oportunidade que as políticas de sexo e de género representam na articulação de posições contra a injustiça social e política dominante. Em Corpo Fechado, Carlos Motta desenvolve uma série de questões que já vem trabalhando desde a sua Trilogia Nefandus, e ressalta, mais uma vez, a necessidade interseccional de formar uma perspetiva histórica queer com questões coloniais subjacentes.

Carlos Motta: Corpo Fechado apresenta trabalhos em filme, fotografia e escultura que estabelecem um diálogo com as histórias da expansão colonial portuguesa e espanhola nas Américas, entre o século XV e o século XVIII, focando-se nas formas como estes dois impérios, operando em conjunto com a Igreja Católica, propagaram conceitos repressivos da sodomia e do homoerotismo a partir de rígidas perspetivas legais e morais. As obras expostas abordam também histórias da escravatura ao interpretarem dois julgamentos por feitiçaria, pela Inquisição de Lisboa, e a sua profunda rejeição do sincretismo religioso e dos rituais africanos. Carlos Motta: Corpo Fechado analisa os modos como as subjetividades coloniais intersectoriais se formaram a partir da experiência da violência institucional corretiva. Através do olhar sobre arquivos históricos, a exposição contesta o poder da Igreja Católica na promoção de um modelo teológico único e na criação de formas e linguagens de opressão sexual que aquela perpetuou.

A peça central da exposição é o filme recentemente encomendado ao artista Corpo Fechado — The Devil’s Work (2018), um poema fílmico de 25 minutos que conta a história de José Francisco Pereira, interpretado pelo ator angolano Paulo Pascoal, um escravo de Judá, Costa da Mina, que foi julgado em 1731 pela Inquisição de Lisboa por feitiçaria e sodomia. Motta adaptou o julgamento de Pereira interligando-o com passagens da «Carta 31: O Livro de Gomorra» (1049), na qual o seu autor, São Pedro Damião, condena fervorosamente a sodomia como pecado imperdoável, e as elucidações icónicas de Walter Benjamin sobre o historicismo e o progresso em «Teses sobre a Filosofia da História» (1940). O filme revisita a figura moral e legalmente condenada do sodomita enquanto violenta construção histórica e expressão do patriarcado eclesiástico, institucional e colonial.

Corpo Fechado: Retrato de José Francisco Pedroso com a sua «bolsa de mandinga» (2018), um retrato fotográfico em quatro partes realizado em estreita colaboração com o ator luso-guineense Welket Bungué, aborda a história de José Francisco Pedroso, um companheiro de Pereira, usando uma das suas «bolsas de mandinga», amuletos rituais que o escravo fabricava e distribuía para proteger os outros escravos de lesões, razão pela qual foi acusado e julgado por feitiçaria pela Inquisição de Lisboa. O tópico do sincretismo e ritual religiosos é também discutido nas esculturas Corpo Fechado: Exú (2018)e Sincretismo (2018), duas assemblagens de objetos ready- made que criticam a frequente representação das divindades e práticas religiosas africanas, pela imaginação católica, como exóticas, eróticas e demoníacas. Estas obras contrastam artefactos religiosos católicos e africanos, dando a ver os efeitos subtis que a imposição de uma única fé produziu no desenvolvimento de diferentes práticas espirituais durante a era colonial.

Lisboa e os Descobrimentos (2018) apresenta um tríptico fotográfico de pequenos monumentos em pedra semi-submersos em água, representando três exploradores portugueses que estiveram envolvidos na expansão imperial (Infante D. Henrique, Infante D. Pedro e Vasco da Gama), e um díptico fotográfico que mostra um monge católico e um explorador que jogam xadrez diante de um mapa das rotas navais do Império Português, ao lado de uma paisagem de terra «virgem». Estas séries, em conjunto com dois objetos históricos, o tabuleiro de xadrez Descobrimentos (1989), de Alberto Cutileiro, e a grande Esfera Armilar (1946) em ferro, emprestados, respetivamente, pelo Museu de Marinha e o Museu de Lisboa, põem a descoberto as narrativas, frequentemente indisputadas, de historicidade, força e durabilidade inscritas pela ubiquidade dos memoriais institucionais à descoberta dos «novos» territórios.

Dois fotogramas icónicos retirados dos filmes de Motta, Um Portal Estreito através do qual Deus Pode Entrar (2018) e A Obra do Diabo (2018), acham-se instalados dentro e fora da galeria, enquanto mural e outdoor, respetivamente, ilustrando duas interações íntimas entre as personagens dos filmes, o Monge e José Francisco Pereira. O primeiro ilustra uma proximidade entre as figuras que poderá ser interpretada como um encontro erótico, ou como um ato de devoração institucional, e o segundo mostra o escravo amparado pelo Monge diante de uma cruz, emulando a representação religiosa canónica da Pietá.

A exposição apresenta ainda a obra bem conhecida de Carlos Motta Trilogia Nefandus (2013), o primeiro dos trabalhos do artista tendo como tema as histórias homoeróticas pré-hispânicas e coloniais. Estes filmes procuram expor, revelar e documentar a imposição pela força das categorias epistemológicas europeias sobre as populações indígenas das Américas. Nefandus (13 min.), Naufrágios (12 min.) e A Visão dos Vencidos (7 min.) discutem o modo como a sexualidade é uma construção cultural com origens muito específicas, baseada em discursos morais e legais sobre o pecado e o crime.

Todos os trabalhos que constituem a exposição Carlos Motta: Corpo Fechado revisitam o passado a fim de reconsiderarem a genealogia das condições de opressão que as minorias sexuais e de género continuam a enfrentar hoje em dia. Através de uma investigação aprofundada e da articulação de leituras alternativas da história e das suas narrativas centrais, a exposição desafia a autoridade e o patriarcado institucionais e propõe uma ideia de «progresso» que passa pela dissidência crítica.

– Sara Antónia Matos e Pedro Faro, curadores

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Publicação

Título
Textos de
Corpo Fechado
Sara Antónia Matos e Pedro Faro, Miguel Vale de Almeida e Denise Ferreira da Silva