– 24.12.2023
Exposição Artifício, de Odete, artista multidisciplinar cujo trabalho se desenvolve no domínio da música, artes visuais, performance e teatro. A curadoria é de Marta Espiridião.
Durante a exposição, terá lugar um amplo e diversificado programa público, de forma a que o espaço de arquivo-biblioteca pensado por Odete para este projeto seja ativado em vários momentos ao longo da ocupação.“Especulando sobre as ligações entre a história dos cosméticos, da cirurgia, da alquimia, do “melhoramento sexual” e da inteligência artificial, Odete propõe uma instalação que remete à imagem de um atelier casa-museu. Nesse sítio, que misteriosamente sobreviveu em ruínas do séc. XIX até os dias de hoje, habita uma sociedade que, perante olhares normativos pode ser entendida como depravada, obscena ou pervertida. Desenvolvendo ficções libidinais a partir de histórias, artifícios e artefactos, a artista deixa entrever um capítulo do seu diálogo constante com a Inteligência Artificial DALL-E, um espelho que lhe desvela vislumbres de outros corpos e visões de outras vivências, compondo passados que se tornam prelúdios de futuros.
No piso térreo está disponível para consulta, impressão, fotocópia e composição, uma biblioteca (física e digital) onde se encontram os mais variados temas, interesses, obsessões e fixações. As temáticas abrangem principalmente magia, sociedades secretas, personagens históricas não-normativas, teoria queer, trans-historiografia, pensamento crítico sobre género, ficção científica, e outros artifícios. O arquivo é vivo e dinâmico, construído para quem queira ler e informar-se sobre os assuntos aqui tratados, convidando a que copiem e levem alguns textos, páginas, ou capítulos de interesse – ou ainda que através da selecção e recolecção de partes escritas, mais ou menos contextualizadas, se inspirem a construir o vosso próprio livro-arquivo.
Como a assembleia não pode deixar de ser feita de assemblagem, este espaço de arquivo-biblioteca será activado em vários momentos ao longo da ocupação, através de leituras destes (e de outros) livros. Autoras, pensadoras, artistas e teóricas foram convidadas a partilhar livros e ideias numa espécie de clube de leitura, onde poderemos discutir e reinterpretar as obras que constituem a biblioteca do Artifício. Para além disto, o espaço de assembleia receberá outras activações e artifícios como cartas de tarot, folhas de chá, paisagens sonoras, e bálsamos ancestrais.
No piso superior, encontramos as relíquias materiais dessa extinta sociedade cuja missão passaria por recolher e registar conhecimentos perdidos sobre alquimia, botânica, beleza e magia. Uma longa peça têxtil desenrola-se no olhar, fiando na história as faces e as corpas que fugiam das lógicas normativas. Posições de mãos, estrelas, demónios, flores compõem esquemas complexos onde artifícios de cálculo reorganizam os significantes da realidade em narrativas que ainda não sabíamos possíveis. Um Herbário, repleto de receitas, pétalas e prompts, pode ser cuidadosamente folheado – páginas de artes (al)químicas que embelezam olhos e lábios, plantas que modificam o corpo e a voz, músicas que encantam o espírito e a pele – pergaminhos que nunca teriam lugar na história do mundo normativo da cisgeneridade branca e do patriarcado ocidental. O design das peças “Herbário” e “Bad Sheets” é da autoria de Internet Jane e Abel Quental.
Ainda no piso superior, um vídeo-ensaio sobre a Beleza como tecnologia une elementos da cultura contemporânea da internet a uma estética do passado para criar um ecossistema visual e conceptual único, onde o Tempo é secularizado e a desobediência à escrita da História hegemónica se torna uma ferramenta de estudo. Odete disseca metodicamente os artifícios da Beleza e sublinha a importância dos corpos trans e de género não-conforme no desenvolvimento desta “disciplina” encorporada.
Odete opera como uma arqueóloga: escava, recolhe e limpa histórias como pérolas, que depois envolve em sedas para nos dar a ver. Não se perca tempo a questionar noções de realidade ou imaginário, sabemos que a “história” é ela mesma escrita por forças dominantes que excluem deliberadamente existências que não se adequam às suas normas. As personagens são atemporais, as suas questões são ainda as do passado e serão as do futuro: pertencem simultaneamente a todos os tempos, tão reais e artificiais como o presente. Odete – uma viajante pelo tempo, construtora de mundos, alquimista do invisível, historiógrafa do futuro – conjura feitiços, palavras e flores na cesta da ficção; no ar um perfume sedutor que nos impele a questionar, não será o artifício uma realidade em construção?”
Marta Espiridião, curadora
Sobre Odete:
O trabalho de Odete (Porto, 1995) é principalmente de natureza “eroto-historiográfica” e de arqueologia paranóica (um método que ela desenvolve com as suas performances). As suas criações foram apresentadas em diferentes espaços e contextos, como o Teatro São Luiz (Lisboa), o Teatro Municipal do Porto, malavoadora.porto, TNDMII, CAPC – Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, Festival Iminente, Rua das Gaivotas 6, entre outros.Recentemente, ganhou o prémio ReXform para as artes performativas, apresentando o projeto “Revelações e Transformações Enlameadas” no MAAT e em colaboração com a bienal BoCA. No campo da música, editou EPs e álbuns com Genome (China), New Scenery (Reino Unido), Rotten:Fresh ou Naivety (Portugal). Fez também parte da plataforma “SHAPE” de 2021-2022. Ela apresentou a sua primeira exposição a solo em O Bardo e, mais recentemente, a exposição LYSIS, com Diana Policarpo na Quéréla (Lisboa). Ela lançou o seu primeiro livro de poesia “A Anciã Femme e Outras Escritas em Pedra” pela Pântano Books. Entre 2022 e 2024, ela integra o Future Laboratory, um projeto europeu de pesquisa performativa, a partir do CAMPUS (Porto).
Descarregue aqui a Folha de Sala para Crianças.
– 24.12.2023