– 14.04.2019
A exposição de António Bolota na Galeria Quadrum enquadra-se num programa que tem como base a remodelação da histórica Galeria Quadrum, a qual reabriu as portas ao público em 11 de Outubro de 2018, devolvendo ao espaço expositivo a transparência arquitectónica e a amplitude que lhe eram originalmente características, permitindo estabelecer uma relação mais dinâmica com o exterior e a comunidade envolvente. Esta remodelação, que transforma o espaço expositivo numa longa nave, vazia, de paredes envidraçadas e luz rasante, condiciona a tipologia de exposições aí patentes, nomeadamente pela ausência de suportes expositivos, tais como paredes. Estas condicionantes parecem todavia ser extremamente convidativas para artistas que, mais do que ocuparem o espaço, se servem dele e das suas valências cruas, estruturais, como matéria de trabalho. Na nova linha de programação, a qual prevê a revisitação de momentos, artistas e exposições paradigmáticos da arte contemporânea, procurando pensar de que modo certos conceitos ou ideias continuam operantes na actualidade, havia que integrar artistas que conseguissem dar conta da nudez estrutural deste espaço, agora esvaziado e reduzido aos seus meios mínimos – algo porventura assustador. Ora, ninguém melhor para o fazer do que António Bolota, filiado numa relação gramatical, triangular, que se joga entre a arquitectura, a engenharia dos materiais e a escultura, para mostrar como o espaço pode ser trabalhado, ocupado, potenciado e mostrado nas suas valências próprias, sem qualquer apetrecho.
Segundo a curadora, Sara Antónia Matos, “é neste quadro de referências, comprometendo-se com a radicalidade deste convite, que pedia ao artista um envolvimento cru com o espaço, que surge a intervenção de António Bolota. Esta consiste em pôr à mostra um léxico gramatical ligado à escultura e à construção, tornando-a peça central, una, experiência fenomenologia e peripatética – exigindo do espectador uma movimentação, pelos extremos da galeria, ao longo do espaço. A área central, entre pilares, encontra-se integralmente ocupada. A peça é um depósito ou assentamento de fragmentos de escultura, de geometrias clássicas, em betão armado, colocados em camadas umas sobre as outras, e separadas por barrotes de madeira, sendo possível atravessar a extensão da peça – que se oferece como um reticulado – apenas com o olhar. A peça é composta por vários elementos que compõem o léxico fundamental da disciplina escultórica e de todas actividades ligadas à construção, um léxico que atravessa o tempo e nele permanece, silencioso, imóvel, como que afirmando e reafirmando a permanência das raízes disciplinares. Também por isso esta peça é um receptáculo de tempo, uma peça leve no aspecto e pesada em termos de massa, cuja luz a atravessa, permitindo questionar o que dessas raízes e princípios se mantém operante. O que faz com que uma obra de arte continue a ecoar através dos tempos, e mais que isso, qual a razão para se continuar a fazer escultura? A intervenção de António Bolota na Galeria Quadrum é uma escultura sobre o tempo e sobre a sobrevivência nele.
A peça é impressionante, não apenas por ser um colosso deitado que ocupa toda a galeria, não apenas pela sua dimensão massiva e pela sua complexidade construtiva – feitura que ocupou o artista durante meses. Ela é impressionante porque é uma homenagem à escultura e a todas as actividades construtivas, um hino à tectónica e sobretudo à história singular desta galeria, onde passaram artistas marcantes da história da arte portuguesa e onde se viveram momentos incontornáveis, testando e levando a cabo experimentações arrojadas, fosse pela sua nudez mais singela, fosse pela complexidade conceptual que implicavam.”
— Sara Antónia Matos, curadora
– 14.04.2019