Depois tb florescem

Cristina Ataíde

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Ser(es) Árvore

Estamos na cidade, num espaço de grandes prédios, de circulares com muitos carros e com muita gente. Entra-se num Palácio do séc. XVIII, o Museu da Cidade, e de repente um grande jardim suspende o bulício. É neste jardim defronte para a mata que se edificou o Pavilhão Branco, “um local privilegiado de relação entre espaço construído e a natureza envolvente… um local feito pelo homem, mas onde a natureza entra de uma forma exuberante e incontornável, é este pulsar das árvores que eu quero trazer cá para dentro”. Cristina Ataíde refere-se assim ao espaço que convocou o conceito deste projecto site specific.

“Depois tb florescem” parte da liberdade e da comunhão com a Natureza, da grandeza das árvores, do crescimento, da terra, da vida e da morte, logo dos ciclos de tempo vitais a estes processos. A artista foi chamada pela paisagem. Trabalhou-a plasticamente e agora apresenta-a ao público para que também este veja/seja paisagem. É nesta cumplicidade de arte/natureza que Cristina Ataíde se move. E é este envolvimento que o visitante poderá sentir.

O piso inferior do Pavilhão Branco está coberto por toros de árvores que limitam um percurso definido pela artista e pela arquitectura do espaço. Estes toros, que amontoados chegam a atingir os 80cm, são ladeados por fotografias que se relacionam com esta dimensão fraccionária de uma árvore ou, numa metáfora mais alargada, com o corpo. Cristina Ataíde problematiza, assim, esta relação homem/natureza e refunda no seu trabalho a representação do corpo humano, através da representação da natureza e, neste caso, da árvore.

Em cima, no piso superior, como numa árvore, vamos encontrar ramos de diferentes espécies, pendurados e formando uma espessa parede viva. Apesar de retirados do seu habitat, os ramos irão abrolhar no tempo em que a exposição estiver patente e trazer para o interior do Pavilhão a natureza que o rodeia. A conexão destes corpos vegetais com o corpo humano sugere-nos feixes de veias e artérias, realçados pelo fundo vermelho das fotografias dos rebentos. Realce da sua dimensão circulatória, logo, de manutenção da vida.

Nesta exposição a artista não se limita a representar árvores, utiliza os seus corpos fragmentados. Temos o tronco (morfologicamente muito diverso) e toda a força que ele representa na sua ligação directa à raiz e às terras que o condicionaram com as suas especificidades. E temos os ramos, fracções de uma diversidade imensa que se sente olhando para fora do pavilhão com toda a imensidão de verde, mas também aqui vivos (ao contrário do piso térreo) fazendo do interior uma extensão do jardim suspenso que o cerca.

Esta transformação dos corpos é assim metaforizada através de um crescimento efectivo no Piso 1 onde galhos vão ganhando folhas, como que absorvendo e transmitindo informação pelos vários ramos (crescimento e enriquecimento humano) e no piso junto à terra estão os toros, pedaços destituídos da sua função, numa regressão corpórea impedida de ligar e de continuar (morte).

É uma experiência forte percorrer os trajectos desta exposição. O cheiro, a volumetria, as cores, o cuidar e o florescer são elementos tangíveis que se atravessam no caminho e no olhar. Aproximar ou afastar, física ou mentalmente será pois uma das condições para um entendimento deste projecto.

Ao sair da exposição a nossa consciência ecológica terá com certeza sido reforçada. A arborização tornou-se-nos íntima, a poética inerente a “Depois tb florescem” é essa, corpos reais que partiram de uma realidade e se tornam numa outra.

-João Mourão

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