Conferência de Esther Leslie, introduzida por Margarida Mendes
Gelo e lama, cristal e lodo – à primeira vista antitéticos, encontram-se interligados, tanto material como conceptualmente. Onde nos leva pensar sobre a lama através do gelo e sobre o gelo na lama – talvez até locais de extração e minas, minas escuras de lama e sedimentos, com a sua promessa de nos deixar descobrir algo cintilante, um diamante brilhante, valor. As minas são locais de extração – podem estar abertas aos elementos. Elas são os elementos. Uma mina pode estar a céu aberto. Os diamantes jazem na lama. A lama é cristal. Pensar a lama em conjunto com o cristal é contemplar a contradição que constitui a realidade. Há lama no gelo – de onde veio? – na pintura polar de Caspar David Friedrich intitulada O Mar de Gelo, que sugeria – num eixo orientado para o futuro – que as energias da era que seguiria à sua pintura, a partir da década de 1820, seriam dominadas pelas energias do fluxo e da estagnação, de se ficar preso na lama, atolado, imobilizado, e de produzir a partir desse detrito, dessa impureza, um valor cintilante. O que faria o navio encalhado flutuar de novo e escapar da lama e do gelo para continuar a transportar os cristais com valor de mercado pelo mundo? A nossa época situa-se no outro extremo: 200 anos depois, que lamas, que cristais, que viscosidades, que concentrações de valor cintilante estarão presentes para nós e como será possível reconhecê-los?
Esther Leslie é professora de Estética Política em Birkbeck, University of London. Os seus interesses recaem sobre a poética da ciência e as interligações existentes entre a política e as tecnologias, com particular destaque para a obra de Walter Benjamin e Theodor Adorno, bem como a poética da ciência, o modernismo e as vanguardas na arte e literatura europeias, a animação, a cor e a loucura. O seu trabalho atual foca-se sobre os meios túrbidos e sobre a estética da turbulência. Entre os vários livros que publicou, encontram-se estudos e traduções de Walter Benjamin, bem como os títulos Hollywood Flatlands: Animation, Critical Theory and the Avant Garde (Verso, 2002), Synthetic Worlds: Nature, Art and the Chemical Industry (Reaktion, 2005), Derelicts: Thought Worms from the Wreckage (Unkant, 2014), Liquid Crystals: The Science and Art of a Fluid Form (Reaktion, 2016), Deeper in the Pyramid (com Melanie Jackson) (Banner Repeater, 2018) e The Inextinguishable (igualmente com Jackson) (Limerick, 2021).