Nosso Wayuri

Lilly Baniwa, Ellen Pirá Wassu & Ritó Natálio, Olinda Tupinambá & Ziel Karapotó, Juão Nyn

No âmbito do festival Alkantara, nos dias 15 e 16 de novembro, sempre às 15h, terá lugar na Galeria Quadrum um programa público de ativações performativas, coletivizando o espaço da mostra individual de Denilson Baniwa e as formas de fazer-saber e os processos de criação e transmissão coletivos que marcaram esses encontros.

Wayuri é um gesto de criar coletivo ou, tão só, de fazer algo em conjunto. A escolha de uma palavra em língua nheengatu, língua geral amazônica alimentada por bases do tupi, e proibida no séc. XVIII por Marquês de Pombal por ser uma ameaça à imposição da língua portuguesa, celebra a força agregadora e a reinvenção da arte indígena contemporânea. Uma alegria de fazer junto, de convocar a multitude de línguas, vozes, vidas e biomas indígenas que se encontram e resistem perante a sedimentação estrutural da violência colonial entre Portugal e o Brasil.

Nosso Wayuri reúne Lilly Baniwa, Ellen Pirá Wassu & Ritó Natálio, Olinda Tupinambá & Ziel Karapotó e Juão Nyn no espaço da exposição retrospetiva do artista Denilson Baniwa, coletivizando-a. A programação propõe um encontro ao longo de uma tarde e resulta do processo de investigação convocado pela plataforma Terra Batida, uma plataforma orientada a desconstruir as noções de ecologia face ao entrelaçamento de visões e responsabilidades. A pesquisa, que durou cerca de dois anos, foi marcada por residências de encontro, investigação e criação com artistas indígenas em museus históricos e etnográficos em Lisboa e Coimbra, pensando estratégias de convivência, resposta e cuidado.

Neste encontro performativo coletivo, diferentes ações e gestos performativos se tecem e se misturam entre si e com os trabalhos de Denilson Baniwa.

Entre a poesia e a performance, serão lidos excertos de Cartas do Fogo, colaboração curatorial e artística entre Ellen Pirá Wassu e Ritó Natálio, que convida a uma experiência de transmutação e digestão do encontro com estas coleções históricas. Um diálogo em torno de processos de desflorestação e das políticas institucionais de desaparecimento, conservação e memória, aplicados ao território brasileiro e português.

Outra perspetiva é a do caminho ou do retorno, como indica a palavra em baniwa diakhe, que dá nome à performance da atriz Lilly Baniwa, do Alto Rio Negro. Nas palavras da artista, “entre águas e memórias, o diakhe chama: um percurso do retorno, onde territórios e saberes ancestrais se encontram para tecer cura e conexões, rompendo o silenciamento imposto aos objetos sagrados que carregam nossas histórias.”

Já Contra-feitiço a escrita maldita é uma ação de resposta de Olinda Tupinambá e Ziel Karapotó ao encontro presencial dos artistas com a Carta de Pêro de Vaz de Caminha, de 1 de Maio de 1500, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Olinda e Ziel realizarão uma performance/ritual, por meio de seus corpos-territórios, que estabelecerá uma contra-narrativa sobre a primeira escrita descritiva portuguesa sobre os povos indígenas do Brasil, a fim de desfazer as amarras do olhar colonizador sobre os povos originários. Juntos, invocarão um cenário de disputa de narrativas, de tensão entre o visível e invisível, do dito e não dito. Olinda e Ziel irão imprimir histórias gravadas muito antes da chegada das caravelas portuguesas, marcas que atravessam séculos e florescem no agora. Passado, presente e futuro se entrelaçam, e a história, enfim, é questionada, recontada e reescrita com protagonismo e autoria indígena, por quem sempre a viveu.

Por fim, como desdobramento da sua obra anterior, Contraxawara, o artista Potyguara Juão Nyn propõe uma ação performativa intitulada Branqueologya, uma reperformance do primeiro contato entre o “homem branco” e os povos nativos de Abya Yala. “Que troca ainda precisa ser (des)feyta?”, pergunta o artista.

No programa de Nosso Wayuri há ainda lugar para uma conversa com o público e para uma instalação de vídeo que apresenta o processo de pesquisa deste grupo de artistas em acervos museológicos — no Museu Nacional de Etnologia, no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, na Academia das Ciência e no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra.

Biografias

Lilly Baniwa
Atriz, performer e investigadora indígena de Artes Cênicas na Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP. Dentre os seus últimos projetos, destaca-se o vídeo performance manifesto “Lithipokoroda”, como realizadora, e a Oficina Performatividades Identitárias, ambos contemplados pela Lei Aldir Blanc/Amazonas e desenvolvidos no município de São Gabriel da Cachoeira. Como atriz-criadora, destacam-se, ainda, o espetáculo-filme “WHAA – Nós, entre ela e eu” (2022) e o espetáculo “Antes do tempo existir”.

Olinda Tupinambá
Indígena do povo Tupinambá e Pataxó Hãhãhãe, jornalista, curadora, performance, cineasta e ativista ambiental. O artivismo estético e político do trabalho de Olinda rompe com os estereótipos e o racismo que pairam sobre os povos indígenas. O seu trabalho ocupa as telas para ecoar as vozes da ancestralidade, que denunciam a opressão e demarcam a existência dos povos indígenas. Olinda evidencia que os indígenas são contemporâneos, vivendo no tempo presente, buscando referências no passado indígena para ressignificar e atualizar.

Ziel Karapotó
Ziel Karapotó é natural da comunidade Karapotó Terra Nova, São Sebastião – AL, nascido em 1994 e residente na Reserva Indígena Marataro Kaetés, Igarassu – PE. Graduado em Artes Visuais pela Universidade Federal de Pernambuco, é multiartista, curador e realizador audiovisual. A sua trajetória é marcada por produções e atuações nos campos das artes visuais e do audiovisual no cenário nacional e internacional. Teve sua primeira exposição individual em 2022, na Christal Galeria, Recife – PE. Em 2024, foi um dos três artistas indígenas a representar o Brasil na 60.ª Bienal de Veneza, com a obra “Cardume II”, participou como artística convidado do Festival Theaterformen na cidade de Braunschweig, Alemanha, e foi curador na 9.ª edição do Festival Internacional Cine Kurumin. No mesmo ano, foi indicado ao Prêmio PIPA. Em 2025, participou como artista convidado da residência artística pela Galeria Paradise, Nantes – França, onde realizou a exposição “SERIGY”, a sua primeira individual na Europa. É curador do Museu Indígena do Sítio Arqueológico de Lagoa Queimada, Santa Inês – BA. Integrou os grupos de pesquisa “Ciência e Arte indígena no Nordeste” (CAIN-UFPE) e “Culturas de Antirracismo na América Latina” (CARLA UFBA). Em seus trabalhos e pesquisas, aborda as poéticas indígenas, arte e ecologia, arte-vida-morte e decolonialidade.

Juão Nyn
Juão Nyn é multiartista: atua na performance, no teatro, no cinema e na música. Potyguar/a — potiguar porque nasceu no Rio Grande do Norte e Potyguara de etnia indígena —, 36 anos, militante do movimento indígena do RN, integrante do Coletivo Estopô Balaio de Criação, Memória e Narrativa e vocalista/compositor da banda Androide Sem Par. Formado em Licenciatura em Teatro pela UFRN, está há onze anos em trânsito entre Natal e São Paulo e faz parte do corpo docente da ELT – Escola Livre de Teatro de Santo André. Como ator migrante, montou “A Cidade dos Rios Invisíveis” em 2014, 3º peça da “Trilogia das Águas”, dirigida por João Batista Júnior, em residência artística no Jardim Romano. Em 2019, completaram 100 apresentações da obra com 5 temporadas, e receberam o Prêmio SHELL 2019 na categoria Inovação. Também atuou no filme “FOME” (2015) de Cristiano Burlan, contracenando com o ator e ex-crítico de cinema Jean Claude Bernadet, e no filme “A Moça do Calendário” (2016), dirigido por Helena Ignez. Dirigiu inúmeras peças e está atualmente a criar uma série de 7 performances sobre ancestralidade e identidade indígena, com duas já executadas em Natal/RN e São Paulo/SP: “BROTAREMOS DA DESSERTIFICAÇÃO” e “CONTRAXAWARA – Deus das Doenças – Troca Injusta”, esta última com mais de 30 apresentações pelo país. Em 2020, lançou o seu primeiro livro, “TYBYRA – Uma tragédia Indígena Brasileira”. De 2022 a 2024, foi formador no núcleo de pesquisa “TEATRO CONTRACOLONYAL – O Ymagynáryo como Terrytóryo” da ELT, onde desenvolveu a pesquisa “YNDÝGENAS DE ÉPOCA”. Em 2024, foi homenageado como Artista do Ano no Prêmio Hangar, maior prémio de música do Rio Grande do Norte, e estreou o espetáculo Teatral “TYBYRA”, baseado no próprio livro, em 5 aldeias Indígenas de SP e com 20 datas esgotadas no Sesc Av. Paulista. O seu 1.° álbum solo todo em Tupi, intitulado “NHE’ÉTIMBÓ – Voz, fumaça de corpo” foi indicado a álbum do ano no Prêmio Hangar 2025.

Ellen Pirá Wassu
Ellen Pirá Wassu é bicho, rio, árvore, raiz e semente. Também é gente humana, escritora e doutoranda em Modernidades Comparadas: Literaturas, Artes e Culturas, no Centro de Estudos Humanísticos pela Universidade do Minho (CEHUM). Investiga a relação entre expropriações territoriais e identitárias nos discursos visuais e literários dominantes, estudo que tem conceituado de “poéticas da expropriação”. Publicou em 2021 “ixé ygara voltando pra y’kûá” (Urutau) e “yby kûatiara um livro de terra”, 2023 (Urutau). Integra, entre revistas literárias e outras coletâneas, as obras: “Volta pra tua terra, uma antologia de poetas antifascistas e antirracistas em Portugal”, 2021 (Urutau), “Guerreiras da ancestralidade”, 2022 (Editora Amare), “Literatura Indígena — Sou semente, plantação, fruto… sou encanto: A potência das mulheres indígenas do Brasil”, 2023 (AJEB/SC). É atualmente colunista da AFROLIS, Jornalismo para mulheres negras e racializadas em Portugal e no mundo. Sua prática relaciona arte, poesia, performance, ativismo, crítica, estudos contra-coloniais, escritas ensaísticas, bons encontros, banho de rio e conversa com flores.

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Exposição

Data
Título
Artistas
Curadoria
Galeria
23.10.2025
– 15.02.2026
Contra-Feitiço
Denilson Baniwa
Ritó Natálio / Terra Batida
Galeria Quadrum