Lama e Alvorada é um filme coletivo, fruto de uma caminhada por uma antiga lavra a céu aberto. A câmara circulou de mão em mão debaixo de um sol abrasador, guiada por olhares espontâneos mas atentos às relações entre espécies, sob o signo da hospitalidade de um guardião do rio. É um filme-poema e em processo que iremos partilhar, em película 16mm, sem correção de cor, com o som separado da imagem e ainda sem mistura. Breve e analógico.
Lama e Alvorada, o filme (16 mm), foi precedido por Lama e Alvorada, a prática pedagógica: meses de aprendizagem mútua, a ver, sentir e pensar com cinema experimental, político, e ecológico; a tecer cartas a partir de jornais de informação crítica, leituras em voz alta, conversas e caminhadas sensoriais ao longo do rio Tejo; visitas a hortas urbanas e a jardins, a cinemas e a galerias de Lisboa. Micro gestos para reencenar as nossas visões do mundo.
Tratou-se de uma experiência pedagógica indisciplinada entre Sílvia das Fadas, Rafaela Gonçalves, Madalena Gouveia, Madalena Martinez e Miriam Pedrozo, acompanhada por Catarina Nascimento, da equipa de Mediação das Galerias Municipais de Lisboa, e pelo professor Hélder Castro da Escola Artística António Arroio.
«Quem nos deu asas para andar de rastos?» – Florbela Espanca
A partir da experiência da Comuna da Luz, fundada há cem anos atrás pelo anarquista António Gonçalves Correia no Vale de Santiago (Alentejo), este projeto de educação artística com um grupo de aluno(a)s propõe inquietar, questionar e antecipar como podemos coexistir em enquadramentos não-hierárquicos e florescentes num lugar diferente daquele que nos é atribuído. Através da oferenda do cinema, da escuta profunda e da leitura coletiva, acompanhados por exercícios de fabulação crítica e de passagem ao gesto, percorreu-se um fio fulgurante que liga experiências comunais, utopias concretas, jardins de peculiaridades, apoio mútuo, autogestão e ação direta, localmente e em diversos recantos da terra. Com Lama e Alvorada convidou-se para um processo inventivo de despossessão coletiva, capaz de engendrar narrativas que tenham por base o desejo de reencantamento do mundo.
Sílvia das Fadas (Coimbra, 1983) é realizadora, investigadora, professora. Fez um mestrado em cinema no California Institute of the Arts (EUA), foi artista residente na Academy Schloss Solitude (Alemanha), e é doutoranda na Academia de Belas Artes de Viena (Áustria), e investigadora no Center for Place Culture and Politics, CUNY (USA). Interessa-se pelas políticas intrínsecas às práticas cinematográficas e pelo cinema enquanto experiência coletiva e expandida.