Expanding Concert (Lisboa 2019-2023)

Mattin

Publicação de Expanding Concert, um concerto duracional que se estendeu ao longo de cinco anos por cinco espaços das Galerias Municipais, onde a improvisação de forma expandida, a integração activa do público e convidados deram corpo a um processo que se pensou a si mesmo inserido no panorama social, político, económico e artístico português e internacional.

Numa lógica de chamada e resposta Mattin estendeu convites a performers e participantes como Margarida Garcia em 2020, DJ Marfox em 2021, Vuduvum Vadavã em 2022, e João Artur em 2023. Os cinco textos oriundos destes momentos surgem agora reunidos no livro desta publicação e apresentam-se como uma proposta de contextualização das intervenções. O presente álbum inclui textos de Mattin, Nuno da Luz, Dasha Birukova, Pierre Bal-Blanc, Regina de Morais e Bárbara Silva, e um breve prefácio da Direção das Galerias Municipais. Este duplo disco de vinil é o resultado sonoro da interação dos músicos e do público nos cinco concertos/performances realizados entre 2019 e 2023.

“A escuta é uma capacidade relacional, uma proposição simultaneamente filosófica e política, uma prática criativa e uma metodologia de investigação. Nesta sequência, não será exagerado dizer que gastar tempo a escutar é uma posição e uma afirmação política radical. Além da voz, é preciso estimular o lugar da escuta e o tempo para ela, ou se quisermos dizer de maneira simples: tempo para escutar os outros (não de passagem, mas com tempo alargado).”
– Direção das Galerias Municipais / Egeac

“Como já vimos, expansão é um termo contraditório: por um lado, pode ser compreendida como uma abordagem necessária em direção à experimentação e investigação, e por outro lado é uma característica intrínseca da colonização e da exploração capitalista. Expanding Concert (Lisboa 2019–2023) explorou esta tensão de formas simultaneamente formais e discursivas.”
– Mattin

“Fez-se silêncio. Um momento que Mattin aproveita para colocar outra questão em jeito de provocação: “Tengo una sugerencia: aquellos que piensan que las cosas mejorarán en cuatro años, por favor quédense aquí. Los que piensan que será peor, vengan conmigo. Yo creo que será peor”. Algumas pessoas afastam-se da parede e começam a seguir o artista que se dirige para uma divisão mais pequena da galeria. Forma-se o grupo dos “pessimistas”, no qual eu me inseri, e que, curiosamente, era menor do que o grupo dos optimistas. A conversa ganha um tom político. Fazem-se prenúncios sobre o colapso da Europa, afirma-se, com muita convicção, que os princípios de Igualdade, Fraternidade e Liberdade vão deixar de existir e que, sem eles, a Europa não vai sobreviver. Debatemos sobre a instabilidade do mundo e a sua falta de fundamento. Criticamos Portugal, um país que não está a produzir conhecimento nem cultura, e só se preocupa em produzir produtos para turistas — “pastéis de nata”, como alguém sugere.
Concordamos que estamos num turning-point, que o modelo actual é insustentável, e que algo vai acontecer. Éramos cinco pessimistas a especular sobre o colapso do mundo. “Será que somos la última generación de artistas no artificiales? Somos los últimos romanticos?”, pergunta Mattin.”
– Bárbara Silva

“Uma das ficções criadas por e para o Homem Unidimensional é a conceptualização da História como uma estrutura aristotélica de três atos, seguindo uma narrativa (ou seja, ficção) que culmina na resposta a uma pergunta dramática, o fim do conflito, e restabelece a ordem perdida. “Voltar ao normal” tem sido, desde o início da pandemia COVID-19, uma das frases que melhor descreve uma preferência colectiva por um passado já romantizado.
No entanto, não é difícil perceber que a ideia de “estabilidade passada” é outra invenção. Basta pensar como o colonialismo e a escravatura são as raízes da maioria das sociedades ocidentais (e da instabilidade e violência perpétua contra os povos outrora escravizados) para perceber que, a menos que sejamos capazes de mudar radicalmente as nossas estruturas hegemónicas ocidentais, a forma como temos feito e contado História baseia-se unicamente num léxico e numa práxis ocidentais e brancos, tornando-nos incapazes de pensar num futuro fora desta genealogia intolerante. E, mesmo assim, temos que ser extremamente cuidadosos e perceber que provavelmente qualquer exigência da sociedade ocidental em ver a História com seus próprios olhos e os olhos dos outros também pode ser um ponto de partida para mais formas de racismo. Pode acabar por ser a afirmação de uma superioridade do Ocidente, que durante séculos dominou através de avanços técnicos e científicos (bélicos), e ainda, e esta é a premissa que lhe subjaz, é capaz de ocupar o lugar do outro pelo outro. Esta é uma das muitas questões que a academia, intelectuais, pensadores, e outros que tais, terão que lidar com se houver alguma hipótese de libertar a História no futuro.”
– Regina de Morais

“Mattin está em open source, como tal, o mesmo acontece com tudo aquilo que se relaciona com o seu trabalho, incluindo o presente texto. Mattin é a obsessão do capital e da sua fórmula trinitária aplicada ao silêncio, ao ruído e ao som: primeiramente o dinheiro (ou a música) considerado como uma cadeia destacável é segundamente convertido em capital (ou em ruído) como um objeto destacado, terceiramente por não existir senão na forma fetichista das existências e da escassez (ou do som e do silêncio). Com Mattin, ruído, som e silêncio correm, é um dilúvio, é uma inundação.
Anti-Copyright.”
– Pierre Bal-Blanc

“A estranheza lovecraftiana relativa ao fosso que existe entre os objetos e o poder que a linguagem tem para os descrever. A indescritibilidade como razão pela qual a vida é estranha. Ou a estranheza enquanto rutura de coerência e espaço de estados transicionais. Uma espécie de estranheza que examina uma desestabilização ou fascínio pelo que está fora. Até Harman escreveu que a filosofia tem de ser estranha porque a realidade é estranha. Parece-me sintomático que o material artístico de Mattin seja principalmente ruído, como que uma “estranheza”, “que perturba a ordem das coisas, fazendo-nos perceber que o que tomamos como estável, o que tomamos como garantido, contém elementos que, na verdade, não conseguimos decifrar”.”
– Dasha Birukova

“Quatro anos passados sobre o primeiro concerto em expansão, e com dois deles sob o signo mundial da pandemia de CoVid-19 e respetivas vagas de confinamento, as intervenções do público durante o quinto tornam palpável o descontentamento, a crispação e a truculência que advém com o atual estado das coisas. Uma mistura explosiva com efeitos retardatários que reúne: desregulamentação das políticas públicas e financeirização da habitação, especulação imobiliária, nomadismo digital (eufemismo para o oportunismo garantido pelo trabalho à distância e incentivos fiscais para a deslocalização de profissionais liberais), falta de investimento público na saúde, educação, e políticas salariais, inflação galopante, normalização dos discursos de ódio e expiação que atingem as camadas mais frágeis da população – nomeadamente pessoas racializadas e emigrantes. “Tudo o que era do estado se volatiliza.” O sentimento de desigualdade profunda adensa-se como um nó na garganta coletiva. Um grito surdo que só irrompe ocasionalmente, sobretudo quando é oferecido tempo de antena e um microfone aberto.”
– Nuno da Luz

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