– 01.07.2018
A exposição My Favourite Things, de João Gabriel, mostra uma selecção de pinturas sobre tela e sobre papel, realizadas nos últimos três anos pelo artista, quase todas inéditas, onde se desenvolve, em várias frentes, uma investigação no âmbito da pintura. A sua obra tem incidido sobre diferentes aspectos e situações retiradas de filmes pornográficos homossexuais, sobretudo da década de 1970 e 1980, investindo sobre as qualidades plásticas e pictóricas dos contextos paisagísticos, domésticos, arquitectónicos, mundanos ou boémios, líricos e obscuros, anatómicos e humanos, íntimos, que habitam este polémico e interdito universo produtor de imagens contemporâneas. Pretextos oportunos para uma nova crítica da vida quotidiana? Para uma nova crítica da imagem?
Cada pintura de João Gabriel configura assim um acontecimento, um instante privilegiado, a maior parte das vezes fortuito ou conjuntural – uma erótica de consumo rápido? – que traz para o domínio da pintura e da tactilidade uma reflexão sobre a própria pintura, o seu tempo, o quotidiano. E fá-lo a partir de uma perspectiva muito particular: questionando as qualidades das imagens provenientes da pornografia homossexual na definição de uma cultura visual mais alargada. Sendo a História da Arte ela mesma uma narrativa feita de desejo e erotismo, como é que as imagens deste artista nos trazem, e colocam em jogo, hoje, novas dimensões e possibilidades do sentir e do ver? De que forma alteram a nossa relação com os corpos?
Num recente texto sobre o artista, publicado no Jornal Público, num suplemento dedicado a futuras promessas do universo artístico português, Nuno Crespo refere que João Gabriel “nos filmes porno encontra corpos que se desejam e se entregam na tentativa de preencher o seu desejo – mas também aí encontra elementos de narratividade e composição visual importantes para o modo como aborda a pintura”. Sublinhando, ainda, que o trabalho de João Gabriel “é um imenso contributo para a cultura gay e, neste aspecto, quer [se] goste ou não, as suas pinturas servem-nos como elementos importantes da renovação dos museus e das galerias de exposição, no caminho político de integração e de reconhecimento das comunidades reais e das suas posições de diferença contrárias à normatividade corrente.”
Nome de uma conhecida música, uma das preferidas de João Gabriel, na versão interpretada por John Coltrane, My favorite things é um título que dá conta, justamente, das primeiras obsessões do artista, onde se conjugam a riqueza do simbólico com a precariedade do material original, resultante do encontro da cultura erudita com aspectos da chamada cultura de massas.
– Sara Matos e Pedro Faro, curadores
– 01.07.2018