– 27.06.2021
Existe uma possibilidade de explicar a universalidade do trabalho de Ilídio Candja Candja? Fruto de instinto?
Face a uma degradação progressiva que representa a evolução das atitudes actuais mascaradas da globalização relativamente às culturas e, consequentemente, relativamente às religiões africanas e outras não europeias, tal culminou na negação absoluta da religiosidade das populações dessas imensas regiões ou no reconhecimento dessa religiosidade, embora seja um reconhecimento tímido, mesmo nos nossos dias.
Cremos que não é necessário fazer uma longa dissertação para demonstrar que a religião tradicional em África, Moçambique em particular, forma um sistema. Com efeito, a exposição é uma singela demonstração deste facto, sobretudo na “descrição” dos elementos que compõem os diversos ritos, pois um rito pressupõe um príncipio orientador que serve de ponto de referência, no qual esse rito encontra a sua explicação e força.
Por exemplo, a encenação do altar no espaço expositivo da galeria levanta algumas questões: porque é que o <
A pintura com o título afrodeezia #1, com a palavra missava, diz respeito a Ilídio Candja Candja. Focado principalmente na experiência visceral da natureza, esse trabalho evoca uma experiencia mítica – e apocalíptica – do mundo natural, desmentindo a violência e a confusão da criação, seja artistica ou da natureza. Na pintura sem título, encontramos uma referência que nos transporta para o som de um estilo de música urbana camaronesa denominada makossa. Partindo deste som visualizado, cruzamo-nos com a pintura ancestral stereo #1 ou fragmentos de memórias e nostalgia na pintura Home i miss you.
Nesta “cerimónia” dos thinguluve***, no altar da galeria, o continente é evocado na pintura África minha #3, com a medicina vinda dos povos de norte de Moçambique presente na pintura Makua Medicine Man, numa espécie de retorno através da pintura Caminho de volta para casa, yes we can #2.
Elementos da natureza e da vida, como oxigénio e água, não escapam na pintura 02#H2O this a life ou resquícios étnicos de pertença de Ilidio Candja Candja que nos são trazidos através da pintura África Minha #1, com a inscrição manhembane.
A exposição Octopus e Miopia, decorre de uma disposição anacrónica de forma ampla, abrangendo marcos significativos no desenvolvimento artistico de Ilídio Candja Candja iniciados depois da sua mudança de Maputo para o Porto. Esse movimento foi o catalisador de uma grande mudança na sua pintura, ou mesmo de um “distanciamento” da cerâmica, a sua área de formação. Movendo-se da representação directa “quase” comum na prática artistica da cidade de Maputo, para um trabalho mais abstracto sem preocupações com a questão da forma, mas muito cauteloso na aplicação das cores, nos “cut-ups” de imagens em união com a superfície cromática, de gestos e outros elementos do meio evolvente, o atelier como santuário.
Como imigrante jovem do seu país natal, Ilídio Candja Candja aborda nas suas pinturas questões individuais, familiares, culturais de pertencimento, as quais ganham, num contexto mais alargado, uma preocupação com mudanças geográficas e nacionais. Invocam um sentimento de memória individual do seu país, Moçambique e da sua relação com o mundo, em particular com Portugal.
¹Adriano Langa, Questões Cristãs, à Religião Tradicional Africana, Moçambique, Braga, editorial Franciscana, 2ª edição, p.118, 1992
*xikw/tchikw – figura importante na cultura africana/moçambicana que fica no interior da palhota.
Essa palhota é sagrada.
**Nguluve -significa o chefe e o protector da família.
*** Tinguluve -Plural de Nguluve
– Rafael Mouzinho, curador
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O autor escreve em desacordo ortográfico
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– 27.06.2021