– 21.06.2020
Esta exposição surge da constatação de que apesar da importância do corpo de trabalho desenvolvido por Catarina Simão ao longo de mais de dez anos de criterioso mergulho nos arquivos coloniais de Moçambique, ele ainda não havia sido mostrado de forma coesa numa mostra individual em Portugal. Acreditamos que é urgente aprofundarmos a discussão sobre o passado colonial português e suas ressonâncias na atualidade, além de dar visibilidade a artistas mulheres. Fazer uma mostra de Simão é desafiador, pois trata-se de uma artista investigadora cuja prática baseia-se no questionamento das noções de arquivo em projetos de processos contínuos e lentos, que estão sempre abertos à revisão e que implicam parcerias colaborativas e diferentes formas de apresentação ao público, com displays expositivos que agregam documentação, textos, vídeos, sons e desenhos, sendo os filmes e as videoinstalações a principal forma de expressão de suas pesquisas. Como apresentar para um público diverso uma arte que é investigação tão densa?
R-humor não é uma mostra retrospectiva, mas tece um apanhado de questões e documentos presentes em grande parte das obras da artista a partir de sua mais recente pesquisa sobre o Museu de Nampula (1956), situado no Norte de Moçambique, e seu inventário fotográfico da coleção de arte Makonde, localizado recentemente num museu alemão. O material, que seria o quinto volume dos estudos sobre os Makonde feito pelos antropólogos Margot Dias e Jorge Dias durante o período colonial e que foi preterido por apresentar uma nítida influência da arte dos brancos nas esculturas, é o núcleo central da exposição. Nestes registros, evidencia-se a estratégia transgressora dos artistas colonizados ao utilizarem a sátira, ironia e o humor para retratar os colonizadores (ícones portugueses e agentes do sistema colonial), num jogo disruptivo de posicionar-se criticamente de forma subtil. O nome da exposição conecta as palavras rumor e humor ao partir da constatação da artimanha do que pode ou não pode e como pode ser dito. Na concepção de Catarina Simão refere-se à “circulação de saber que pertence tanto ao domínio público como ao do segredo e se identifica com um tipo particular de violência. Assim, as perspectivas históricas construídas em torno do próprio imaginário que os documentos reproduzem, ao assumir uma consciência da normalização subjacente à construção de um conceito de tempo (histórico, cronológico, evolutivo) armado sobre a ideia de ‘progresso’”.
As obras que compõem a exposição são constituídas de materiais oriundos de arquivos públicos e privados com variados graus de confidencialidade, tais como extratos de informação televisiva propagandística (desde 1930 até 2019) provenientes de Moçambique, Portugal, Alemanha e Estados Unidos. A artista organiza estas informações como um grande índex que deve ser decodificado pelos visitantes.
— Cristiana Tejo, Curadora
Agradecimentos:
Arquivo Histórico Diplomático, Arsenal – Institut für Film und Videokunst e.V., Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian Museu Nacional de Etnologia de Lisboa, Museu Grassi de Leipzig, Goethe-Institut Portugal, Museu Nacional de Etnologia de Nampula.
Ana Barata, António Bettencourt, António Ntimbanga, Bernhard Guttsche, Catarina Mateus, Catarina Real, Carlos Pina, Corinna Lawrenz, Fernanda Gurgel, Filipa Vicente, Giselher Blesse, João Bento, João Farelo, João Pedro George, João Santos Vieira, Jorge Freitas Branco, Markus Ruff, Paulo Costa, Pedro Guilherme Kulyumba, P. Coton Mehboob, Ruis Luis, Ruy Guerra, Sónia Casquiço, Susanne Sporrer, Vavy Borges.
– 21.06.2020