RED AFRICA – Things Fall Apart

Alexander Markov, Ângela Ferreira, Burt Caesar, Filipa César, Isaac Julien, Jo Ractliffe, Kiluanji Kia Henda, Milica Tomić, Onejoon Che, Paulo Kapela, Museu da História Jugoslava, Travelling Communiqué, Tonel, Tshibumba Kanda-Matulu, Yevgeniy Fiks

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A EGEAC – Galerias Municipais/AFRICA.CONT apresenta o programa RED AFRICA e a exposição Things Fall Apart, comissariada por Mark Nash. Apresentam-se artistas, cineastas e grupos de África, Ásia, Europa e América do Norte que baseados em filmes, fotografia, propaganda e arte pública expõem reflexões interdisciplinares sobre as relações entre África, a União Soviética e os países da sua área de influência.

A exposição Things Fall Apart foi buscar o seu título ao romance homónimo de Chinua Achebe publicado originalmente em 1958. Esta obra clássica de ficção pós-colonialista, que foi publicada em Portugal com o nome Quando Tudo se Desmorona, é considerada por muitos o arquétipo do romance moderno africano escrito em inglês. A sua história reflete sobre o impacto devastador do colonialismo em África. A exposição faz esta associação como uma forma de olhar para uma perda semelhante da perspetiva utópica com o fim da Guerra Fria e com o colapso do investimento do Bloco de Leste no desenvolvimento político e cultural em África. Things Fall Apart apresenta quinze projetos de artistas contemporâneos relacionados de diversas maneiras com este tema.

A exposição prossegue o trabalho de investigação sobre o Socialist Friendship (Calvert 22, 2013-2015), explorando o plano soviético de bolsas académicas para apoiar países onde se travavam lutas de libertação anticolonialistas e para desenvolver quadros técnicos comunistas nesses mesmos países. Havia ligações particularmente fortes com países como Moçambique, Gana, Etiópia e Angola, onde decorriam guerras de libertação ou que, após a independência, faziam parte do Movimento dos Não Alinhados. O ponto de partida deste projeto de investigação foi um programa radiofónico produzido por Burt Caesar para a BBC Radio 4 em 2009, com o título Black Students in Red Russia, que pode ser ouvido na galeria.

Things Fall Apart foca especialmente o cinema como um meio para desenvolver uma estética militante, uma estética orientada para imaginar um futuro independente das potências coloniais, bem como para criar elos internacionais entre os países africanos e os mundos comunista e em desenvolvimento.

A guerra civil que rebentou em 1975, no seguimento da independência de Angola da hegemonia de Portugal, viu o envolvimento da União Soviética, Cuba e Estados Unidos da América, entre outros, apoiando fações políticas rivais numa tentativa de ganhar influência sobre o país recém-independente. Dois trabalhos fotográficos de Kiluanji Kia Henda, que vive e trabalha em Luanda, Angola, e Lisboa, Portugal, registam vestígios do apoio cubano e soviético durante a Guerra Fria.

As fotografias a preto e branco da fotógrafa sul-africana Jo Ractliffe também oferecem uma visão da Angola contemporânea, refletindo sobre a sua história recente. Ractliffe visitou Angola pela primeira vez em 2007, cinco anos depois do fim da guerra civil. Os quatro trabalhos apresentados nesta exposição pertencem às séries Terreno Ocupado (2007-2008) e As Terras do Fim do Mundo (2009-2010), e focam a Luanda contemporânea e as paisagens de conflito (incluindo a “Guerra das Matas” junto da fronteira entre Angola e África do Sul, 1966-1989). O tríptico de pinturas murais retrata três figuras chave da Guerra Civil Angolana: o líder cubano Fidel Castro, o líder soviético Leonid Brezhnev e o primeiro presidente de Angola, Agostinho Neto.

Conakry (2012-2013) é um filme de 16 mm de Filipa César encenado no Haus der Kulturen der Welt, em Berlim. Este filme revisita imagens do arquivo guineense que documentam uma exposição organizada em 1972 por Amílcar Cabral no Palais du Peuple, em Conakry, relatando o estado da guerra contra o domínio português. Filipa César convidou a escritora portuguesa Grada Kilomba e a rádio-ativista americana Diana McCarty para refletirem sobre estas imagens e a sua história.

O Arquivo Wayland Rudd (The Wayland Rudd Archive 2014), recolhido por Yevgeniy Fiks (nascido em Moscovo, a viver em Nova Iorque) e aqui apresentado como uma projeção de uma série de imagens digitais, foca a representação dos africanos e afro-americanos na cultura visual soviética. O arquivo é constituído por mais de 200 imagens soviéticas (pinturas, fotografias de cena, cartazes, grafismos, etc.) desde a década de 1920 até aos anos 1980. Wayland Rudd foi um ator americano que se mudou para a União Soviética em 1932. Durante os vinte anos da sua carreira na União Soviética, Rudd apareceu em numerosos filmes, performances e peças teatrais. Apesar de apenas uma pequena secção das imagens reunidas no Arquivo Wayland Rudd serem do próprio Wayland Rudd, o projeto recebeu o seu nome como forma de homenagear a história pessoal deste ator afro-americano soviético como exemplo ilustrativo da complexa interseção entre raça e comunismo na narrativa soviético-americana do século XX.

O projeto Travelling Communiqué, concebido por Armin Linke, Doreen Mende e Milica Tomić, explora a ideia da amizade política. O ponto de entrada é a coleção de 1200 fotografias tiradas durante a primeira conferência do Movimento dos Não Alinhados (MNA) que decorreu em Belgrado, em 1961. Os grupos que combatiam o imperialismo e o colonialismo em África, na Ásia, Europa e América Latina criaram uma mensagem coletiva dos 25 delegados na conferência MNA para o mundo exterior. Nessa altura, era possível entender o MNA como um terceiro espaço de emancipação, um espaço que procurava desestabilizar um mundo bipolarizado sem estabelecer um terceiro bloco de poder.

A Nossa África (Our Africa, 2016), do cineasta Alexander Markov, sedeado em São Petersburgo, utiliza imagens em movimento do Arquivo de Filme e Fotografia do Estado Russo para expor os mecanismos por detrás da criação de filmes de propaganda soviética, que procuravam registar a expansão do “glorioso socialismo” no continente africano. Este projeto faz parte de um documentário em formato de longa-metragem de Markov, atualmente em processo de pós-produção.

Sobre Labudovic: Cinema, Escola e Guerra da Independência (On Labudovic: Cinema, School and War of Independence, 2014-2016), uma nova peça de Milica Tomić, que vive e trabalha em Belgrado, na Sérvia, explora uma lógica de cumplicidade e confiança política através do trabalho do fotógrafo e cineasta Stevan Labudović. Este começou o seu trabalho com 17 anos de idade, a fazer jornais de parede partidários durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1959, foi enviado para a Argélia pelo Central Film News Studio (Jugoslávia) numa ação de apoio à luta anticolonial durante a Guerra da Independência da Argélia (1954 -1962). Labudović passou quase três anos com guerrilheiros argelinos, com a câmara numa mão e uma arma na outra, e criou uma escola de filme e fotografia para os combatentes no campo de batalha.

As duas peças mostradas pelo artista londrino Isaac Julien foram produzidas durante a sua instalação de imagens em movimento Fantôme Afrique (2005), que entrelaça referências cinematográficas e arquitetónicas através da Ouagadougou urbana, o centro do cinema em África, e os espaços áridos do Burkina Faso rural. Desafiando as indicações do Banco Mundial, sob a liderança do líder revolucionário Thomas Sankara, o Burkina Faso desenvolveu uma economia das indústrias criativas centrada na produção de filmes e televisão, e continua a organizar o principal festival (bienal) de cinema na África subsaariana. Cinema Cinema, de Julien, apresenta um dos cinemas ao ar livre em Ouagadougou. Place des Cinéastes mostra uma rotunda na capital do Burkina Faso, que glorifica os elementos mecânicos da câmara e do projetor.

Mostradas em conjunto, as três maquetes de esculturas da artista de Lisboa Ângela Ferreira, que nasceu em Maputo, Moçambique, e cresceu na África do Sul, prestam homenagem aos workshops de cinema que o realizador e etnógrafo francês Jean Rouch instalou em Moçambique. Após a declaração de independência em 1975, Rouch e uma equipa de realizadores chegaram a Maputo em 1976 para lecionar uma série de workshops de Super 8 na Universidade Eduardo Mondlane e em diversas comunidades rurais, onde Rouch testou as suas ideias de usar os filmes Super 8 como instrumento de desenvolvimento. As fotografias que fazem parte de Estudo para Monumento às oficinas de filme Super 8 de Jean Rouch em Moçambique (Study for Monument to Jean Rouch’s Super 8 film workshops in Mozambique, 2011-2012) foram feitas por Françoise Foucault em Moçambique, com o objetivo de documentar o processo de trabalho e os diversos locais de filmagem e exibição durante os workshops de Super 8.

A instalação do artista cubano Tonel, que vive e trabalha em Vancouver, reflete sobre a relação histórica entre a URSS e Cuba através do olhar da corrida espacial, real e imaginária. Os objetos apresentados na vitrina pertenciam, presumivelmente, à equipa de cientistas aeroespaciais internacionais (cubanos, soviéticos, alemães, americanos) conhecidos como os “Heróis de Baikonur”. Estes objetos são acompanhados por páginas do livro do artista Despachos da Zona de Guerra (Dispatches from the War Zone, 2009-2014), que tem a sua própria banda sonora criada em colaboração com Bob Turner, um músico a viver em Vancouver. A instalação também inclui três desenhos emoldurados.

Nos últimos anos, o artista sul-coreano Onejoon Che tem vindo a trabalhar num projeto relacionado com monumentos e arquiteturas em África, construídas na Coreia do Norte. Mansudae Master Class (2015) prossegue as explorações anteriores do artista em busca de ligações entre a geopolítica militar e económica, e é apresentado num filme de longa-metragem, fotografias e instalações. Estabelecido em 1959 por ordem de Kim Il-Sung, o Estúdio de Arte Mansudae tem um papel central no engrandecimento da imagem nacional da Coreia do Norte, através da produção de estátuas e retratos do Amado Líder. Em 1974, erigiu o Monumento Tiglachin na Etiópia e, posteriormente, doou edifícios públicos e monumentos a vários países africanos, incluindo Madagáscar, Togo e Guiné. Em 2010, os Projetos Ultramarinos de Mansudae ganharam atenção renovada com a inauguração do Monumento ao Renascimento Africano em Dakar, capital do Senegal.

Radovan Cukić (Belgrado) e Ivan Manojlović (Belgrado), curadores do Museu da História Jugoslava, em Belgrado, apresentam uma seleção de imagens do Arquivo Presidencial digitalizado de Josip Broz Tito. Estabelecido em 1947 como parte da Divisão de Imprensa do Gabinete do Marechal da Jugoslávia (posteriormente Gabinete do Presidente da República), com o objetivo de documentar a atividade social e política de Tito, contém mais de 200,000 negativos de todos os eventos importantes desde 1947 até 1980 em que Tito participou. Fotografias selecionadas captadas por Dragutin Grbić, Miloš Rašeta, Aleksandar Stojanović e Mirko Lovrić foram reveladas e oferecidas a Tito em 708 caixas com o formato de livro, tornando-se assim o seu “álbum de família”, que foi exposto após a sua morte na sua residência oficial, que mais tarde foi transformado no Museu da História Jugoslava.

Paulo Kapela cria retratos do seu universo interior, combinando filosofia Bantu, Catolicismo, Rastafarianismo e iconografias socialistas, juntamente com um forte sentimento de uma cultura local de veneração. Em pinturas e colagens com diversas dimensões, Kapela retrata personalidades dos media internacionais. Há trabalhos que mostram o presidente atual de Angola, José Eduardo dos Santos, ao lado do primeiro presidente, Agostinho Neto. Uma iconografia socialista é claramente visível quer no modo como ele retrata as figuras revolucionárias, como é o caso de Deolinda Rodrigues ou Hoji-ya-Henda, mas também pelo uso de símbolos socialistas como a estrela vermelha ou os emblemáticos ícones da nação socialista como a catana e a roda dentada.

O pintor congolês Tshibumba Kanda-Matulu retrata eventos e personalidades importantes nos seus trabalhos. Em 1960, o Congo (RDC) tornou-se independente e Patrice Lumumba – politicamente orientado para o socialismo – fez o seu famoso discurso, no qual condenou fortemente as políticas colonialistas. O regime de Lumumba durou apenas dez semanas. Com o apoio da Bélgica, o general Joseph Mobutu tomou o poder e Lumumba foi preso e assassinado em circunstâncias misteriosas.

-Mark Nash, curador

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Programa Público

Data
Título
Com/de
Categoria
Local
20170220
20.02.2017
Cinema, Mesas-Redondas e Debates, “O Legado das Relações Culturais entre África, a União Soviética e os Países da sua Área de Influência durante a Guerra Fria”
Conversa/Projeção de filme/Visita Guiada
Cinema São Jorge