– 02.08.2016
Para comemorar os 15 anos do Museu da Marioneta, convidámos quatro artistas plásticos – António Viana, Francisco Tropa, Jorge Queiroz e Susanne Themlitz – para trabalharem com peças da coleção do Museu com que pudessem estabelecer afinidades. A única exigência foi a de que trabalhassem dentro dos quatro principais grupos de coleção do Museu, a saber: sombras, máscaras, marionetas e marionetas portuguesas em particular.
O resultado é explorado em cenografias onde as marionetas assumem uma nova função, interagindo com as obras de cada um dos artistas convidados, em núcleos cujo grau de proximidade ao universo teatral é diverso, mas onde as marionetas continuam a afirmar-se como referência cultural, não deixando de retratar a longa história e as diferentes geografias do teatro de marionetas.
ANTÓNIO VIANA
PROXIMIDADES
O GULIVER ESTÁ A CHEGAR…
MARIONETAS PORTUGUESAS
O passado recente do teatro de marionetas português é aqui homenageado por António Viana, numa obra que nos permite percorrer as suas diferentes fases.
Os bonecreiros populares – que percorriam o país até à década de 1960 nos seus pavilhões de feiras, que funcionavam como autênticos teatros itinerantes – estão aqui representados pelas marionetas de Manuel Rosado, dispostas na procissão que o próprio encenava, mas também na guarita (estrutura de madeira e tecido que servia para apresentar teatro de robertos).
Ainda numa vertente tradicional, encontram-se os Bonecos de Santo Aleixo, gentilmente cedidos pelo CENDREV que, em Évora, mantém viva esta tradição.
A introdução, em Portugal, daquilo que se pode designar como teatro de marionetas contemporâneo foi feita pela companhia de São Lourenço que, no início dos anos 1970, recuperou textos de Gil Vicente e António José da Silva para os encenar em ópera, com marionetas de manipulação à vista, que se confundiam com o próprio manipulador. Helena Vaz, José Alberto Gil e Fernando Serafim foram os fundadores deste grupo, também responsável pela criação do primeiro museu dedicado à marioneta em Lisboa.
Por fim, as peças de Ildeberto Gama pertencem ao elenco de Guerras de Alecrim e Manjerona, de António José da Silva, em cena no Teatro Nacional D. Maria II em 2006, na qual os atores contracenavam com as marionetas.
FRANCISCO TROPA
TEATRO DE SOMBRAS
MARIONETAS WAYANG KULIT – INDONÉSIA
A história da Gata Borralheira na versão de Robert Walser é a base de trabalho de Francisco Tropa, que utilizou marionetas de sombra da China e da Indonésia (Bali e Java) para a produção do seu filme.
No teatro de sombras tradicional, as silhuetas são movimentadas atrás de uma tela, iluminada por uma candeia de azeite. Na Indonésia, o manipulador é chamado de dalang e tem um papel essencial no espetáculo: é ao mesmo tempo ator, encenador e maestro. Enquanto faz movimentar e contracenar as personagens, recita o longo texto e dirige o gamelão (instrumento e orquestra composto de gongos e taças), que dá ritmo a toda a história.
As figuras são recortadas em pele de animal e pintadas com pigmentos naturais. No caso das marionetas chinesas, as cabeças podem destacar-se dos corpos e são elas que indicam a personagem.
Mas as diferenças encontram-se principalmente nos reportórios dos espetáculos: enquanto na China os espetáculos assentam em óperas ou contos tradicionais, na Indonésia o reportório centra-se nos poemas épicos Ramayana ou Mahabarata, sendo ainda introduzidos temas de carácter religioso ou moral.
Excelentes veículos de histórias e transmissão oral de usos e costumes, as marionetas de sombra são consideradas os primórdios do cinema, tendo com ele em comum a imagem projetada na tela por meio de um foco de luz.
JORGE QUEIROZ
SEM TÍTULO
MÁSCARAS DO TEATRO NÔ, JAPÃO
A obra de Jorge Queiroz consiste num conjunto de pinturas que correm em forma de biombo entre duas máscaras Nô, provenientes do Japão.
Surgido no século XIV, o teatro Nô foi diretamente influenciado pelos princípios do budismo Zen: simplicidade, contrição, discrição. Nô significa, literalmente, talento.
É o ator principal – shite –que usa as máscaras das diversas personagens: homens ou mulheres, guerreiros ou deuses, demónios ou animais. As suas capacidades performativas obedecem a regras precisas de recitação, dança, mímica e música, todas elas descritas nos textos Nô.
As máscaras indiciam a presença de deuses e são honradas em rituais antes de serem utilizadas. A expressão congelada que manifestam é aparente: na verdade, a sua construção obedece a normas precisas que garantem que, consoante a iluminação e perspetiva do observador, a máscara seja capaz de transmitir diferentes emoções. Através dos seus movimentos lentos, precisos e subtis, a função do ator é, precisamente, ajudar o público a descodificar o sentimento que a máscara pretende transmitir a cada momento, em função do texto que está a encenar.
Perante a ausência do ator, cabe ao visitante a leitura das máscaras e do conjunto dos desenhos, através do seu próprio movimento na galeria.
SUSANNE THEMLITZ
QUANDO VIA VULTOS A PASSAR PELA JANELA PELA AUSÊNCIA DAS MÃOS OS DIAS EM CAMPOS DE ARROZ INUNDADOS
MARIONETAS DE CHAOZHOU, CHINA
A China tem uma longa tradição de teatro de marionetas, que começa com o teatro de sombra, mas que se alarga a outro tipo de manipulações, como a marioneta de luva ou de fios. O conjunto de cerca de 121 marionetas chinesas de vara, escolhido por Susanne Themlitz para esta exposição, são, no entanto, exclusivamente da cidade de Chaozhou, na Província de Cantão, sendo difícil encontrar um grupo tão representativo como este.
Com origem no final do século XIX ou início do século XX, acredita-se que estas marionetas evoluíram a partir das marionetas de sombra, teoria bastante plausível dadas as semelhanças entre elas. Ambas têm cabeças que não se encontram fixas aos corpos, permitindo que várias personagens utilizem a mesma base. Também o local onde são colocadas as varas é idêntico: uma nas costas e duas nas mãos. No caso das marionetas de Chaozhou as varas são amovíveis, e para esta exposição foram retiradas.
É visível a relação destas marionetas com a ópera chinesa: na verdade, as personagens são as mesmas e o espetáculo bastante semelhante. Neste grupo pode ver-se a diversidade de figuras, que diferem conforme a máscara que utilizam.
– 02.08.2016