– 26.06.2022
A Hélice é uma associação formada em 2015 por Duarte Amaral Netto, João Paulo Serafim, Rodrigo Tavarela Peixoto e Valter Ventura. O trabalho do coletivo começou pela casualidade de um atelier partilhado, e transformou-se na construção de um espaço de reflexão, criação, ensino e edição de fotografia, oferecendo cursos anuais e de curta duração em diferentes domínios da área; leituras de portfólio gratuitas; exposições de alunos dos cursos de longa duração; publicação temática bianual (PROPELLER) com autores convidados e selecionados através de open call. A Hélice é também uma força criativa e tem vindo a desenvolver o projeto SPECTRUM desde 2018 com uma exposição no Centro Cultural Emmerico Nunes em Sines que foi acompanhada de conferências, ciclo de cinema e workshop. Posteriormente, ainda em 2018, a mesma exposição foi apresentada no Mês da Fotografia do Barreiro. A Hélice, para além das outras atividades, criou a chancela Helice_press, onde passará a editar livros de fotografia – num sentido lato do termo. Em 2021 editou a publicação Spectrum – É a poeira que torna o feixe de luz visível.
A exposição Spectrum nas Galerias Municipais proporciona uma visão geral das atividades do coletivo até ao momento. Nesta exposição são debatidas questões e temas centrais para a produção coletiva de um arquivo fotográfico (SPECTRUM) e de uma revista (PROPELLER). Numa era de informação predominantemente influenciada pelos meios eletrónicos e pela produção de imagens digitais, o diálogo com a fotografia e a sua produção coletiva tem lugar principalmente em plataformas de redes sociais na Internet. Trabalhar em coletivo para a Hélice significa que nenhuma das ideias iniciais que qualquer um dos membros tenha vai ser cumprida. No final de um processo de debate, pesquisa e partilha algo surge que apenas poderia nascer da junção de quatro vontades individuais dispostas a enveredar por um território de crescimento e evolução comum. Como se desenvolve esta discussão dentro do espaço de exposições? O que podem os participantes convidados pela Hélice ganhar como experiência ao contribuírem para um atlas de imagem ou para uma publicação de edição artística heterogénea? A Hélice realiza um projeto expositivo integrando duas vertentes da sua atividade:
1. SPECTRUM – Do funcionamento dos relógios e outros padrões
Se anteriormente SPECTRUM se dedicou às questões em torno da luz, da sua vertente mágica, eletromagnética, fantasmagórica ou poética, agora o arquivo está magnetizado para outro pilar do pensamento fotográfico: o tempo. Como anteriormente, esta pulsão não deve ser entendida de um ponto de vista meramente etimológico. Aqui o tempo, mais que cronológico, relativiza-se na diacronia fotográfica: ver instantes fixos e imutáveis, suspensos num tempo e num espaço que já não existem, esse tempo tem um nome – Duração. Duração enquanto um sentimento perene que resiste nas pequenas coisas, pensado com ligação a Henri Bergson mas acima de tudo em Peter Handke – “Essa duração o que foi? Foi um espaço de tempo? Algo de mensurável? Uma certeza? Não, a duração foi um sentimento, o mais fugidio de todos os sentimentos, que passa muitas vezes mais depressa que um instante, imprevisível, impossível de dirigir, impalpável, imensurável. (…) Para tais momentos de duração, permite-se usar um verbo especial, eles constelam-se. (…) É também peculiar o sentimento da duração em face de certas coisas pequenas, quanto mais simples mais impressionantes.” (Peter Handke; Poema à duração; Trad. José A. Palma Caetano; Assírio e Alvim.)
Construído em carrossel de movimento infinito a circular entre produção, arquivo, seleção e edição, SPECTRUM agrega os quatro fotógrafos que compõem a Hélice num corpo comum de produção, discussão e ação criadora. Nesta encarnação do projeto SPECTRUM foram convidados novos contribuintes para o arquivo em permanente construção: Carlos Lobo, Diogo Bento, Fernando Marante, Garcez da Silva, Humberto Brito, Katerina Poliacikova, Manuela Marques, Oleksandr Lyashchenko, Pedro Tropa, Sofia Silva, e Soraya Vasconcelos. A cada um dos fotógrafos que generosamente colaboraram com a Hélice para esta exposição foi pedida uma seleção de imagens que poderiam escolher com toda a liberdade, apenas referido esse lugar do tempo que tem por nome Duração enquanto mote, mas sem qualquer obrigação de sentido a ser dado.
Porém, não existe uma narrativa no sentido sequencial que a palavra pode sugerir, existe sim uma delimitação de um território de afeto que se pretende poder falar sobre a importância desse sentimento de duração e da Fotografia enquanto forma de durar. SPECTRUM deriva de uma hipótese sobre o arquivo, como método para responder infinitamente a todas as questões. Imagine-se a Biblioteca de Babel de Jorge Luis Borges: uma estrutura onde se armazenam todas as combinações possíveis de letras do alfabeto, isto é, contendo todas as obras literárias do mundo, incluindo as que ainda não foram escritas, ou sequer imaginadas. Juntando os arquivos (todos os fotógrafos inevitavelmente criam um) dos membros da Hélice, acumularam-se imagens que entretanto perderam a sua autoria, referência, função, pretexto ou legenda. Centenas de imagens recontextualizadas possibilitaram novas leituras nos seus intervalos formando relações inéditas.
Este arquivo permanente tem vários objetivos: um deles é oferecer um lado prático e proporcionar um património de imagens que não são de nenhum de nós, possibilitando à Hélice pensar e trabalhar em conjunto a partir dum território comum para o qual todos contribuem e que opera um desaparecimento da autoria das imagens, permitindo ao coletivo usá-las de forma livre e descomprometida. Um segundo objetivo prende-se com a vontade de dinamitar relações entre imagem e texto, nas quais a imagem corre sempre o risco de aparecer subalterna ao texto. Em todo o arquivo pretendem que a imagem se imponha enquanto ente fundador, aparecendo o texto como periferia da imagem. Esta inconsistência permanente do arquivo desliga-o também do estabelecimento do exercício de um poder, tornando inteligível aquilo que está a ser arquivado: um arquivo inútil quando colocado numa perspetiva institucional.
2. PROPELLER – Putting the zine in the Magazine
A exposição pretende apresentar ainda o trabalho editorial desenvolvido ao longo dos últimos anos na revista PROPELLER – com coordenação de Sofia Silva –, olhando-a como o polo agregador de uma comunidade que a Hélice deseja que exista. É mostrado todo o trabalho desenvolvido para o formato de publicação, construindo uma outra forma de visibilidade para as opções que deram corpo à publicação. Todas as edições produzidas até à data, nomeadamente
#0 21/06/2017 – O Pornográfico
#1 22/12/2017 – A Mancha
#2 22/06/2018 – Ficção
#3 20/02/2019 – Propaganda
são apresentadas na Galeria Avenida da Índia.
As edições são pensadas individualmente e a partir dos trabalhos disponíveis e dos temas escolhidos, cada uma delas vive esses trabalhos na sua aparição física, uma simbiose entre conteúdo e forma. Cada edição está marcada por uma manualidade evidente e por recurso a soluções artesanais de encadernação, maquetagem ou mesmo de impressão. Isto faz com que o exemplar de cada número (variam entre 100 e 200) seja um objeto único.
A exposição Spectrum da Hélice nas Galerias Municipais será acompanhada por uma publicação a lançar em breve.
Descarregue aqui a Folha de Sala para Crianças.
– 26.06.2022