João Vasco Paiva, The Highways Department Colouring Book, 2016 (em curso); livro de artista; capa dura forrada a tecido, impressão jato de tinta e lápis de cor sobre papel vegetal; 20,5 x 14 x 1,5 cm; 246 páginas.
A obra The Highways Department Colouring Book (2016–) foi um dos pontos de partida para Cut Down the Middle — exposição coletiva apresentada entre abril e junho de 2021 na Galeria Avenida da Índia.
Curiosamente, este livro não se encontrava fisicamente no espaço expositivo. Podíamos apenas vislumbrá-lo a partir da imagem de divulgação da exposição, quer no telão outdoor, quer na web, ou a partir das referências que lhe são feitas no texto da folha de sala.
Na primeira página deste colouring book é citada parte do texto de abertura do filme Fitzcarraldo, de Werner Herzog.[1] Esta epígrafe sintoniza-nos com ideias de incompletude associadas à criação e transformação de um meio-ambiente, de um dado espaço e da sua vivência — problemáticas relevantes para essa epopeia cinematográfica e que também ressoam neste trabalho de João Vasco Paiva. Todo o miolo do livro é depois composto por dezenas de impressões de desenhos esquemáticos disponibilizados online pelo Departamento de Estradas de Hong Kong. João Vasco Paiva descarregou-os, limpou várias das referências escritas que eles continham e compilou-os neste objeto artístico, abrindo-os a outras perspetivas.
Originalmente, estes desenhos técnicos ditam uma construção rígida baseada em regras que impactam o ordenamento do espaço público, a paisagem urbana, a habitação da cidade e a sua organização social. Ao apropriar-se artisticamente destes modelos gráficos, e ao colori-los, João Vasco Paiva dá-lhes uma utilização que podemos ver como irónica face à ideia de rigor científico destes desenhos e ao peso institucional do arquivo oficial de onde provêm. São recursos que ganham agora um novo contexto, em que funcionalidade e objetividade cedem lugar a valores plásticos, poéticos e especulativos.
Falamos de um trabalho que não está concluído e que se vai construindo e preenchendo ao longo do tempo sem agenda ou calendarização específica. O processo vai acontecendo à medida que João Vasco Paiva vai colorindo elementos dos desenhos técnicos que vamos encontrando enquanto folheamos o livro. Trata-se de um ato de colorir que pode aproximar-se do doodling, contrastando com o universo técnico dos desenhos que lhe servem de base. É um gesto que poderá ter, em latência, meditações sobre a arquitetura da cidade contemporânea e as políticas que ela envolve, mas que ocorrerá também como um livre-trânsito para o pensamento ou um desprendido “momento de não pensar em nada”, parafraseando aqui o próprio João.