Ciclo Budapeste

Diogo Evangelista

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Uma iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa, em parceria com o município de Budapeste. Este programa possibilita a dois artistas portugueses a realização de um trabalho artístico em Budapeste, durante um mês, e a dois artistas húngaros a realização de um trabalho artístico em Lisboa, com igual duração.
Desde 1992, data em que foi celebrado o acordo de geminação, o programa de residência artística já permitiu a cerca de 40 jovens artistas portugueses desenvolver um projeto de trabalho na cidade de Budapeste, e acolheu na cidade de Lisboa igual número de artistas húngaros com o mesmo propósito.
O intercâmbio é uma organização conjunta da Secretaria Geral – Divisão de Relações Internacionais e da Direção Municipal de Cultura.

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Apropriação, intervenção, descontextualização, sobreposição. O trabalho de Diogo Evangelista materializa-se no interior destes processos, recorrendo a uma multitude de fontes, de materiais e, principalmente, de imagens. Sendo profundamente multidisciplinar, a sua produção revela um interesse particular pelas imagens ou, para sermos mais exatos, pela experiência (a receção) e a materialidade das imagens. A articulação entre estes dois elementos é transversal a uma grande parte das suas obras e complexifica-se se tivermos em conta o modo como o artista lida com o reportório anónimo e desordenado da cultura de massas (nos seus mais variados âmbitos).

Na Quadrum, encontramos pinturas e trabalhos realizados com imagens em movimento. As pinturas enquadram-se num conjunto de obras que Diogo Evangelista tem vindo a produzir e a mostrar. Em revistas e outro tipo de publicações, bem como na internet, pesquisa e seleciona imagens fotográficas e sujeita-as a uma série de manipulações. Amplia-as, reimprime-as, pinta-as e, em seguida, cola-as sobre telas. Na série em causa, imagens de plantas são cobertas por uma velatura monocromática de aguarela. O efeito é intoxicante e perturbador. Provoca uma desrealização do quotidiano, impõe um filtro à visão. É como se aquelas imagens não pudessem ser vistas de outra forma.

É importante sublinhar a importância do livro “Right Lobe (working script)”, produzido no verão de 2012, na residência de Budapeste. “É um guião/diário em que se baseiam os meus trabalhos mais recentes. Uma base onde se sobrepõem conceitos e imagens. Um livro de colagens, composto por quatro núcleos: excertos da ‘Psychedelics Encyclopedia’ de Peter Stafford, imagens de grupos de nudistas em exercício (aparentemente sem origem nem época), tapetes marroquinos boucherouite e desenhos de Van Gogh realizados por volta de 1890. Ao lê-lo, a primeira impressão é a de estarmos perante relatos de sonhos. Mais tarde percebe-se que estamos na presença de alucinações”.

Do livro para a exposição, Diogo Evangelista persegue a ação transformadora da arte, colando imagens, evocando lugares, práticas e tempo distintos. A interpelação que faz ao espectador não é apenas visual, mas mental. Deseja envolver e confundir os seus sentidos, assaltar a sua perceção. Repare-se, por exemplo, no morphing lento que pauta o vídeo “Sungazing”. Por momentos, não se sabe se a imagem se move de facto, se permanecemos imóveis ou se alguém nos colocou sob um estranho feitiço. Assume o artista: “Quero evocar diferentes estados de perceção, conexão com o inconsciente, com diferentes níveis de consciência, diferentes aproximações à realidade, mundos paralelos”.

“Sungazing” começa com uma estranha superfície monocromática que rapidamente revela a imagem do sol a partir da perspetiva terrestre. É uma sequência rápida que dará lugar a imagens de tapetes coloridos, feitos de padrões diversos, que vão escorrendo no ecrã. O interesse do artista por este tipo de produtos não é aleatório: “No início de 2013 fui a Marrocos em busca de um tapete e acabei por encontrar outro que me chamou a atenção. É feito apenas para uso doméstico, mas fiquei fascinado pelos padrões, pelas formas livres, pela liberdade representadas por esses padrões”. Acompanhado do som das viagens da sonda Voyager nos anos 1980, “Sungazing” assemelha-se a uma viagem, mas num espaço criado artificialmente, no qual o espetador se abstrai do seu corpo, das suas memórias, do contexto expositivo.

O título da obra remete para uma situação que podemos apelidar de análoga: “Refere-se a uma terapia, supostamente proveniente do antigo Egito. Olha-se para o sol fixamente até se recolher a energia e os nutrientes suficientes para se sobreviver. Também o podemos associar a exposição prolongada do olhar ao sol, até a cegueira. Como meio de hipnotismo. Como fonte de energia e luz, elemento fundamental no processo da visão”. O vídeo termina com a luz do sol a ofuscar as formas e os desenhos dos tapetes enquanto os graves das viagens espaciais desaparecem, silenciados pelos ritmos de percussão. É uma experiência imersiva da qual o espetador se retira entorpecido, não apenas por causa do efeito do som e do movimento quase indiscernível dos tapetes, mas também pela indefinição das próprias imagens. Diz-nos Diogo Evangelista que podem constituir “planos aproximados de folhas ou de pele, vistas aéreas de terrenos cultivados”. Acrescentamos: também podiam constituir reproduções de pinturas abstratas ou momentos de um filme de animação. Uma viagem entre dimensões ou escalas que coexistem sobre a mesma superfície, o vídeo compõe uma experiência psicadélica que induz o espetador num transe, numa alteração da sua perceção sensorial.

Menos imersivo, “An argument against anti-realism” mostra imagens sobrepostas de plantas e folhas que não se imobilizam. Tremem, vibram, criando transparências misteriosas, seres fantásticos numa floresta rosa, a que é inútil dar forma ou sentido. Porque o repto é outro. Uma voz feminina lê frases e palavras retiradas de “Right Lobe (working script)” que aludem à alteração de estados de perceção, de sensibilidade e de conhecimento, a situações e experiências extraordinárias e irreais. Não pretendem ilustrar as imagens, mas no tom suavemente didático da locutora enfatizam aquilo que elas sugerem: a imaginação livre e sedutora da arte. 

-José Marmeleira

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Título
Textos de
Ciclo Budapeste – Diogo Evangelista
José Marmeleira