Mise en Abyme

Eduardo Batarda

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É difícil conversar com o Eduardo Batarda. Isto porque quando ele chega ao fim do discurso às vezes já nos esquecemos do princípio que será talvez agora o fim… nunca se sabe. Nem interessa. E porque é um discurso cheio de travessões, de chavetas e de parêntesis, que remete quase sempre para qualquer coisa esdrúxula, pendurada no início da frase e sem que se vislumbre o fim não chegamos por vezes a perceber onde ele quer chegar. Ou esquecemo-nos. Por nossa culpa, claro. Porque o discurso, apesar de longo, é sempre fluido, eficaz, límpido e simples.

O opus do Eduardo é, passe o pleonasmo, um trabalho de artista para artistas. E é como ele. Igualzinho! Igualzinho a ele e ao seu discurso. Não é amável, nem simpático nem de fácil digestão. É ácido e virulento, desesperadamente urgente, romântico (sim, romântico!) e misterioso. E é, por ordem alfabética (por que não?) abrasivo, abusivo, alternativo, autista, bem educado, brilhante, chato, compulsivo, confuso, convencido, derivativo, erótico, erudito, escatológico, excessivo, gabarola, generoso, gozão, implacável, imprescindível, inteligente, intimista, obcecado, obsessivo, optimista, paranóico, pedante, perverso, pessimista, polido, pornográfico, repetitivo, retorcido, ridículo, sarcástico, sedutor, solitário, teimoso, trágico, vaidoso, verbal, vernacular e, por isso mesmo, incontornável e inesquecível.

Revemo-nos em todos os seus trabalhos como todos eles se revêm em nós. A imagem da mesma imagem dentro da mesma imagem dentro da mesma imagem dentro da mesma imagem dentro… Uma espécie de versão bidimensional das bonecas russas.

É um trabalho tão colado ao autor que é dele indissociável. É um trabalho sobre a perda onde aparentemente só se vê o ganho. É também um puzzle infinito, que se desdobra dentro de si próprio, que se reproduz como um sistema fractal…  Embora por vezes também se vejam as suas obras penduradas em cima de sofás, ou entaladas entre portas, ao pé de jarras, jarrinhas e napperons ou entre outros quadros inenarráveis que com elas nada têm a ver e as contaminam, a obra de EB não é nem decorativa nem acessível. Nem fica bem com molduras douradas de agora ou outras quaisquer foleirices. É uma pintura dura, escorreita e densíssima que não precisa nada mais do que de si própria.

O trabalho de EB é uma espécie de Nessie, de monstro do Loch Ness, deslizante e sinusoide, emergindo em círculos processionários que progridem em arcos na superfície escura da água oleosa da prática artística nacional. O dorso brilhante e escamado, que tanto se deixa ver como apenas se adivinha.

Não é, seguramente, uma obra para todos, uma obra falsamente democrática. É sobretudo uma obra para ele, para a sua imagem reflectida no espelho que se repete “ad infinitum”, que se prolonga e arrepia.

Um quadro deste artista contém sempre, sempre, todos os outros quadros que o antecederam. E provavelmente conterá também todos aqueles que se seguirão. São sempre uma imagem dentro de uma imagem que se repete e se plasma na outra imagem que se lhe segue. Confuso? Claro! Como o discurso do Eduardo. É impossível distinguir o verbo da pintura. São apenas um. Como ele. Obcecado, genial, repetitivo e etc.

Fui eu próprio quem pediu ao Eduardo Batarda para organizar esta exposição. Queria muito fazê-la. Já era tempo. E ele disse que sim. Logo. Acho que foi porque somos amigos. Acho que sim. E porque ele é também generosamente condescendente comigo.

– Julião Sarmento, curador
Abril 2016

NB – lido atentamente e devidamente corrigido por Eduardo Batarda em 14 de Abril de 2016

*Por opção do autor, o texto não foi escrito segundo o Acordo Ortográfico de 1990.

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Programa Público

Data
Título
Com/de
Categoria
Local
20160607
07.06.2016
Visita-Conversa “Mise en Abyme”
Eduardo Batarda, Julião Sarmento, João Mourão, Alexandre Melo
Conversa/Visita Guiada
Pavilhão Branco

Publicação

Título
Textos de
Mise en abyme
David Barro, Eduardo Batarda, Pedro Faro, Julião Sarmento